quarta-feira, 24 de outubro de 2007

FIM DO DIA



Clarões em meio às nuvens indicam que a tempestade vai chegando.
E em cantos obscuros da sala de estar, insetos invisíveis iniciam a trilha sonora do fim.

sábado, 13 de outubro de 2007

O HORROR, O HORROR


Olhei para a figura acima. Tentei fingir que parecia uma árvore frondosa com sombras estendendo-se no gramado, mas não consegui. Parecia mais com o gato morto que um dia encontrei, as larvas gordas e reluzentes rastejando às cegas, freneticamente abrindo túneis para longe da luz. Mas até isso é evitar o verdadeiro horror.
O horror é este: no final, é simplesmente uma imagem de escuridão vazia e sem sentido.

Estamos sozinhos.
Não existe mais nada.

Vivemos a vida, sem nada melhor para fazer, depois inventamos razão. Nascemos do vazio, temos filhos, condenados ao Inferno como nós, voltamos ao vazio. Não existe mais nada. A existência é aleatória. Sem padrão, a não ser o que imaginamos depois de contemplar tudo por muito tempo. Sem sentido a não ser o que escolhemos impor.

O mundo desgovernado não é moldado por vagas forças metafísicas. Não é Deus quem mata as crianças, não é o acaso que as trucida nem é o destino quem as dá de comer aos cães.
Somos nós.
Só nós.

Estamos sozinhos.
Não existe mais nada.


[ Alan Moore ]

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

AS LINHAS DA MÃO


De uma carta jogada em cima da mesa sai uma linha que corre pela tábua de pinho e desce por uma perna. Basta olhar bem para descobrir que a linha continua pelo assoalho, sobe pela parede, entra numa lâmina que reproduz um quadro de Boucher, desenha as costas de uma mulher reclinada num divã e afinal foge do quarto pelo teto e desce pelo fio do pára-raios até a rua.

Ali é difícil seguí-la por causa do trânsito, mas prestando atenção a veremos subir pela roda do ônibus estacionado na esquina e que vai até o porto.

Lá, ela desce pela meia de nylon da passageira mais loura, entra no território hostil das alfândegas, sobe e rasteja e ziguezagueia até o cais principal, e aí (mas é difícil enxergá-la, só os ratos a seguem para subir a bordo) atinge o navio de turbinas sonoras.

Corre pelas tábuas do convés de primeira classe, passa com dificuldade a escotilha maior, e numa cabine onde um homem triste bebe conhaque e ouve o apito da partida, sobe pela costura da calça, pelo jaleco, desliza até o cotovelo, e com um derradeiro esforço se insere na palma da mão direita, que nesse instante começara a fechar-se sobre a coronha de um revólver.


[ Julio Cortázar ]