quinta-feira, 11 de outubro de 2007

AS LINHAS DA MÃO


De uma carta jogada em cima da mesa sai uma linha que corre pela tábua de pinho e desce por uma perna. Basta olhar bem para descobrir que a linha continua pelo assoalho, sobe pela parede, entra numa lâmina que reproduz um quadro de Boucher, desenha as costas de uma mulher reclinada num divã e afinal foge do quarto pelo teto e desce pelo fio do pára-raios até a rua.

Ali é difícil seguí-la por causa do trânsito, mas prestando atenção a veremos subir pela roda do ônibus estacionado na esquina e que vai até o porto.

Lá, ela desce pela meia de nylon da passageira mais loura, entra no território hostil das alfândegas, sobe e rasteja e ziguezagueia até o cais principal, e aí (mas é difícil enxergá-la, só os ratos a seguem para subir a bordo) atinge o navio de turbinas sonoras.

Corre pelas tábuas do convés de primeira classe, passa com dificuldade a escotilha maior, e numa cabine onde um homem triste bebe conhaque e ouve o apito da partida, sobe pela costura da calça, pelo jaleco, desliza até o cotovelo, e com um derradeiro esforço se insere na palma da mão direita, que nesse instante começara a fechar-se sobre a coronha de um revólver.


[ Julio Cortázar ]

Um comentário:

Anônimo disse...

Faça o que fizer, não pare de escrever (ou postar).

Beijo...